Alambique: Colectivo Gonçalves Correia

A Revista Alambique e o Colectivo Gonçalves Correia

A publicação Alambique surgiu em 2007 no âmbito do espaço e experiência que foi o Centro de Cultura Libertária de Aljustrel (2006-2009). A sua edição tem à data sido marcada por uma periocidade irregular  que esperemos seja no futuro contrariada. Como indivíduos e coletivo persistimos como projecto anarquista a partir do Baixo Alentejo.

Como referido já em 2009, o colectivo mais do que uma “entidade orgânica” persiste “…/ porque algo, uma dinâmica, mais importante subsiste. Um punhado de indivíduos que se encontra naquilo que outros chamaram de “projectualidade individual anarquista” na qual “para agirmos sobre a vida, ao invés de ela ser algo que nos acontece, precisamos de saber o que desejamos e como tentar alcançá-lo, precisamos de saber quem nos impede de o fazer e quem são os nossos potenciais cúmplices nesta aventura colectiva pela liberdade individual”. Cada um de nós age e toma a iniciativa no desenvolvimento do seu projecto, e em possibilidades que se multiplicam quando nos cruzamos.

Para um olhar do que está para trás, poderão os mais curiosos espreitar em http://www.goncalvescorreia.blogspot.pt/. Aí podem encontrar alguns aspectos que enquadram a Revista Alambique e o Colectivo Gonçalves Correia. Como por exemplo:

(Do editorial da Alambique #3 2010)

« …/ Hoje não se luta por grandes ideais. Mas os anarquistas sabem-se acompanhados na crescente conflituosidade social de quem hoje luta pela sua sobrevivência quotidiana. Por mais “planos tecnológicos” de desenvolvimento que nos rodeiam e que nos prometem, o sistema é cada vez mais incapaz de esconder os sinais da sua própria crise e falência. O cada vez maior aparato estatal e de controlo que nos cerca, apenas nos envolve cada vez mais nesse estado de latente conflito, sobre o qual a principal preocupação que reina, é a de que por via do medo nos digladiemos apenas uns com os outros e não saibamos dirigir pronta e directamente o ataque.

A necessidade de referências, é pois, mais do que nunca necessária para ajudar a agir e a pensar o futuro. Uma das referências que temos insistido surge em torno da “ruralidade”. Porque no evoluir da relação do Homem com o Campo se explica hoje boa parte do desastre da presente humanidade, edificada que foi esta numa relação do domínio tecnológico e economicista sobre a natureza. Uma relação que esvaziou e impediu a sã relação do homem com a terra, naquilo que era a ruralidade. Reivindicar essa memória telúrica com a natureza, não só é urgente como pode acontecer em várias e diversificadas experiências que podemos empreender.

Estes caminhos futuros não serão possíveis sem um compromisso, antes de tudo individual, e o qual, por diversas formas, assumirá um sem fim de possibilidades. E para que ainda estejamos a tempo, não há lugar nesse caminho ao consenso com o desenvolvimento capitalista que agora dizem de sustentável. Como não há tempo para que as nossas vidas sejam mediadas pelo sindicalismo que negoceia a “paz social” com os patrões, ou com os ecologistas que se esgrimem por um minuto verde nestas horas de morte… “A ruptura, quando existiu e se existir de novo, só será possível a partir de um movimento social profundo que põe em causa os fundamentos da produção actual, a sua lógica”. »

 O que é hoje afinal o “CCA Gonçalves Correia”?  (Mensagem no Blog em 22.3.10)

«…/ dois aspectos essenciais para que este nosso “projecto” seja devidamente situado e as coisas postas preto no branco tal como são. Não existe hoje em Aljustrel um Espaço Anarquista. Ou seja um espaço fisico devidamente identificado como um Centro de Cultura Anarquista. Apesar de por nós alertado desde o inicio (ver primeiro post deste blog em Agosto de 2006) o chamado CCA Gonçalves Correia desenvolveu-se como projecto de actividades (no seguimento do projecto que comportava a designação de CCA vindo desde 2003 de Ferreira do Alentejo) num espaço pré-existente que é o Club Aljustrelense. Uma coisa foi sempre o Club, outra distinta o CCA. Dada porém a intensa actvidade desenvolvida desde 2006 a 2008 pelo CCA dentro do Club, as duas coisas normalmente passaram como uma só. E como já haviamos dito há um ano atrás (editorial do Alambique 2) fomos por isso mesmo ultrapassados pela designação de Centro de Cultura Anarquista e tudo o que ela comporta. E se durante esse período essa associação do projecto fez algum sentido em ser vista como um Espaço, por via da nossa mais ou menos regular actividade e interacção desenvolvida no Club, já desde finais de 2009 que o mesmo já não faz sentido. O nosso afastamento ao local como espaço fisico e a perca de laços com os restantes frequentadores do Club, dita com toda a honestidade que a designação de “Espaço” ao CCA lhe seja retirada.


Repetindo o que já antes dissemos: (…) não pretendemos minimizar o que foi sendo feito, e muito menos a presença de um local em Aljustrel (e sobretudo o que este proporciona), mas na verdade por muito mais que tod@s o desejássemos, este espaço nunca se concretizou ele mesmo, e por si, num Centro de Cultura Anarquista (…) Esta desagradável constatação (mas como sabemos não uma novidade) não significa que tenha deixado de haver no Baixo Alentejo (a geografia lata adequa-se melhor) um “projecto” anarquista. Por isso continuamos e queremos continuar como um colectivo que se constroi em torno da reunião de distintos individuos e cuja dinâmica ditará o que vier e nos convier. Para lá da Alambique pretendemos surgir com actvidades e ideias em distintos pontos na nossa envolvência, dos quais o Club Aljustrelense será apenas um possível ponto de encontro do qual apenas fazemos votos que permaneça como espaço possível de actvidades, como o é de concertos.»

 

Gonçalves Correia (Mensagem no Blog em 2007)

«…/ talvez seja importante referir porque assumimos um nome tão pomposo  e à século passado como este de aportar o nome de uma personagem [Gonçalves Correia]. Isso é tão simples quanto ao fato de se hoje falares com alguém de meia idade para cima, e sem que necessariamente tenha grande cultura política, nos vários conselhos do Baixo Alentejo, imediatamente estas reconhecerem a figura humana que foi António Gonçalves Correia [1886 – 1967]. Nenhum de nós o conheceu, mas a sua memória foi resgatada essencialmente por uma iniciativa da Câmara Municipal de Castro Verde [conselho vizinho de Aljustrel onde nasceu] no CD “No Paraíso Real” [testemunhos orais da “revolta e utopia no sul de Portugal”] e, sobretudo pela biografia da autoria de Alberto Franco “A Revolução é a Minha Namorada. Memória de António Gonçalves Correia, anarquista alentejano”. Foi como encontrar esse elo de ligação que nos permitia apresentar sem olhares de esguelha, esse parente afastado de quem podíamos finalmente falar e captar a atenção de um sem número de pessoas que nunca haviam feito a ligação entre o que nos unia… É fascinante falar de um caixeiro viajante que levou a sua vida num compromisso individual impar. Como um homem só tanta marca deixou. A sua “excentricidade” ainda hoje recordada passava pela sua faceta de vegetariano e tolstoiano, num ambiente das lutas sociais da primeira metade do século XX: as lutas anarco-sindicalistas das minas de Aljustrel ou São Domingos ou Lousal das lutas dos camponeses do Alto ao Baixo Alentejo. Agora convêm frisar que esse seu vegetarianismo, a luta dos direitos dos animais e do naturismo que tanto foram sua marca não são um caso isolado na época. (…) Gonçalves Correia foi nesse campo fundador em dois momentos da sua vida de duas comunidades, sendo a Comuna da Luz, a que se situou na sua vivência alentejana. O importante de referir ainda hoje é o elo de ligação que essas comunas estabeleciam com o meio social e humano envolvente, coisa que, por exemplo, não acontece com a maioria das ditas comunidades alternativas que aparecem aqui ou ali nos nossos dias. E mais importante, acho eu, é exatamente esse ponto de ligação que o naturismo, o amor livre, o vegetarianismo etc., devia estabelecer com as demais questões sociais. Essa ligação é essencial e por isso o anarquismo se viu sempre unido a esses modos de vida. Hoje em dia esses modos de vida viraram modas de vidas…»

 

Centro de Cultura Anarquista Gonçalves Correia (Mensagem no Blog em 06.08.2006)

Em 2003 o Centro de Cultura Anarquista em Ferreira do Alentejo juntou na difusão do pensamento libertário diversos companheir@s da região. A perca do espaço levou à estagnação das actividades, passando o espaço de encontro a concentrar-se posteriormente em Aljustrel, onde o AnarkoPunk tem sido uma animação esporádica no Club Aljustrelense. É pois agora junto deste espaço recreativo, que ressurge o Centro de Cultura Anarquista, agora C.C.A. Gonçalves Correia. Os objectivos permanecem os mesmos, mas queremo-los mais vivos e sólidos: isto é estreitar as afinidades libertárias e procurar divulgar através de várias iniciativas públicas e abertas @ tod@s diversas questões e problemas que combatam a apatia, o medo e o conformismo que nos sufoca e dêem viva voz ao protesto social.

Encontramo-nos assim junto do Club Aljustrelense que, a poucos anos do seu centenário, deixa para trás o quadro conservador que o fundou e, ao invés deste, alberga nele alguns daqueles que mais herdam da memória anarco-sindicalista da vila mineira. Porque reafirmamos não apenas a crítica ao insaciável capitalismo e autoritarismo que nos rodeia, mas porque, informal e livremente, queremos que a nossa festa e o nosso companheirismo não seja a alienação que nos querem impor, mas a revolta com que queremos aprender a viver.
Afrontados por estes mais de 30 anos que nos viram nascer, nos prometeram revoluções e nos impuseram ser uma geração esvaziada de ideias e repleta de consumismos, partilhamos e partimos hoje, daquilo que os mineiros de um século atrás afirmavam em Aljustrel: de que, “se fossemos vaidosos enfileiraríamos ao lado dos políticos socialistas ou republicanos, campo aberto a todos os ambiciosos. Somos, porém, humildes porque somos operários, aspirando somente a juntar o nosso insignificante esforço aos dos que sinceramente lutam pela emancipação de todos os filhos do Trabalho. Temos pouca instrução, é certo, mas somos sinceros, sabendo apenas dizer o que sentimos, o que sofremos” (Citação do Sindicato Mineiro no O Sindicalista, de 5.Jan.1913)

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