A Comuna da Luz (Vale de Santiago, 1917)

Posted on 29 de Março de 2013

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impressoes comunais_webPerante uma sociedade que se desmorona, em termos físicos e noutros mais subtis, em que não encontramos lugar, o que podemos fazer? Este texto de opinião versa acerca de alguém que procurou romper com o status quo e resolveu viver as suas ideias.

A primeira dezena de anos da república portuguesa, foi sem dúvida um dos períodos mais turbulentos que o país conheceu. Contrariando as esperanças postas nesta viragem política, vive-se, isso sim, mais uma temporada de miséria, sem quaisquer mudanças na base da pirâmide social. (…) Vivia-se uma crise à escala mundial.

Facilmente se intui o sombrio deste período. E foi-o transversalmente. No Alentejo, zona por demais carenciada e onde a urgência da mudança se agigantava, a miséria, no seu pior sentido, campeava. As expectativas criadas quer pelo rural de Panoias, quer pelo mineiro de São Domingos, foram totalmente defraudadas.

É neste Alentejo que trilha o caixeiro, viajante e anarquista, Gonçalves Correia (G.C.). Ele que tinha sido um dos que acreditara na república, sentia-se, em meados da década de 10, desiludido. Sabia bem das condições de vida da esmagadora maioria das pessoas. Eram tempos em que sazonalmente as pessoas ficavam sem trabalho, passando largos períodos de fome e doença, não era difícil encontrar pessoas a vaguearem pelo campo à procura de um lavrador mais benemérito, que matasse a fome ao gentio. A tuberculose, devido à desnutrição aguda, era doença comum pelos campos alentejanos. Se a isto juntarmos as consequências da participação na guerra, temos um panorama que reforça a vontade de concretizar e viver factualmente os ideais anarquistas. (…)

A ruptura de G.C., a Comuna da Luz, foi alavancada pelas suas convicções anarquistas, e muito possivelmente, pelas dificuldades e a busca de uma vida menos marcada pela miséria por parte de muitos que vieram a integrar a comuna. Sem dúvida a conjuntura terá facilitado a união para um projecto desta natureza.

G.C. abdicou de uma vida, para os parâmetros da altura bastante cómoda, apostando em viver uma experiência de afinidades, solidariedade e apoio mútuo a que, a maioria, não se arriscaria. (…) Como anarquista G.C. podia ter optado por outro campo de intervenção, mas como tolstoiano naturista, a criação de uma comuna parecia ser o caminho mais coerente. (…)

A ideia de que a soberania de uma comunidade está no consenso e nas decisões conjuntas, parecia demasiado à frente do seu tempo. A maioria não acreditava que pessoas sem escolaridade alguma, vindas da miséria, iriam conseguir viver de acordo com pressupostos como este. Face a este entrave advogava a possibilidade de aperfeiçoamento moral dos seus moradores, e depositava particular esperança no papel das crianças, que ali nasceriam e que teriam uma educação de acordo com os princípios da Escola Moderna. A dimensão da educação era um dos pilares principais e havia planos para a construção de uma escola na comuna. Aliás, entre as 22 pessoas que constituíam a comuna que arrancaria em 1917, encontrava-se uma professora para dar resposta ao almejado. Na Luz, as principais actividades eram a agricultura e manufactura de calçado; G.C., destinou a si, a ocupação de cozinheiro vegetariano, tendencialmente crudívoro.

Os problemas que as comunas um pouco por todo o lado encararam, relacionavam-se com factores internos e externos, e no caso da Luz, terão sido estes últimos a determinar o fim da experiência. Com a repressão, levada longe nas consequências, e a insurreição que rebentou em Dezembro de 1918, a situação agravou-se a tal ponto que G.C. acabou preso no Limoeiro (prisão em Lisboa) junto com muitos outros revoltosos. (…)

Excertos do texto “Impressões de uma Comuna” de M.B., Alambique 5, Primavera 2013 (descarregar)

Ilustração José Smith Vargas

“Uma comuna no Alentejo” Capítulo XVI da obra “Os Operários” de Raul Brandão

Mais sobre a Comuna da Luz no Blog António Gonçalves Correia